A exposição inédita apresenta, de forma sutil, bordados sobre panos brancos. A escolha do bordado como linguagem para este projeto não é gratuita, Márcia Dias já vinha, em pesquisas anteriores, desenvolvendo um trabalho bastante subjetivo inspirado no universo do Sertão a partir da construção literária de Guimarães Rosa.
Esse laboratório serviu de apoio neste projeto atual, em especial, na escolha da base para a criação dos bordados: "percebi que buscava panos de suporte que fossem parte do artesanato brasileiro, que tivessem vida nas casas e usos daqui. Que fosse acolhedor.
Nesta busca, encontrei excelentes suportes em guardanapos do Ceará, fraldas do Rio Grande do Norte, além de panos que foram da minha mãe e avó. Também há um tecido lindo que não é mais fabricado chamado gase de linho. Alguns me chegaram prontos para bordar e outros foram costurados".
O trabalho apresenta referências de Arthur Bispo do Rosário que usava a palavra na construção de suas imagens, e em última instância do seu universo pessoal. Ele é uma inspiração também em termos de liberdade do uso tanto das bases, tecidos, quanto das linhas. A mensagem era urgente e a escassez de recursos não poderia ser vista como um limitador na sua criação, nem da beleza de sua obra.
As palavras são importantes neste trabalho porque elas representam uma nação. No caso, Marcia Dias lecionava, como professora voluntaria, língua portuguesa para os refugiados. Desse encontro é que nasceram essa frases, fruto de conversas espontâneas, confissões e casos revelados em sala de aula. "O mais interessante é que como cada aluno vinha de um país diferente, a diversidade cultural era enorme, a linguística então nem se fala. E obviamente fiquei fascinada com isto, e como cada um construía o seu português ao seu modo. Por exemplo, os africanos aprendem muito rapidamente, de ouvido, sem quase escrever no caderno. Além disto, tem as questões religiosas e o entendimento da construção da sociedade brasileira. Não é fácil, mas pode ser extremamente divertido".
A quantidade de pessoas se deslocando no mundo atual não tem precedentes. Em 2019 foram 64 milhões de pessoas fora de seus países de origem. Eu fiquei especialmente tocada com a quantidade de sírios chegando ao Brasil em 2016-2017. O Brasil é distante e periférico. Não seria a primeira escolha de um refugiado.
A mostra apresenta aspectos sociais e simbólicos e possibilita uma visão afetiva, reflexiva e bem humorada sobre a língua, abarca questões geográficas, nacionais e políticas, a confrontação de culturais e, em especial, na manutenção a favor da vida, do respeito e da paz que esse trabalho naturalmente evoca.